quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Última Nau - Fernando Pessoa

Levando a bordo El-Rei Dom Sebastião,
E erguendo, como um nome, alto, o pendão
Do Império,
Foi-se a última nau, ao sol aziago
Erma, e entre choros de ancia e de presago
Mystério.

Não voltou mais. A que ilha indescoberta
Aportou? Volverá da sorte incerta
Que teve?
Deus guarda o corpo e a forma do futuro,
Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro
E breve.

Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
Mais a minh'alma atlântica se exalta
E entorna,
E em mim, num mar que não tem tempo ou 'spaço,
Vejo entre a cerração teu vulto baço
Que torna.

ultimanau.JPG
Óleo de Carlos Alberto Santos

"A última Nau" é o 11º poema que compõe a 2ª parte (Mar Portuguez) do livro "Mensagem" do Poeta Português Fernando Pessoa. Este poema constitui uma espécie de fulcro de Mensagem. Inicia-se em 1578 com a partida de D.Sebastião, entre sinais de mau presságio, para Marrocos, onde lutaria na batalha de Alcácer-Quibir. A nau com a sua bandeira içada nunca mais voltou e o embarque de D.Sebastião torna-se místico pelo seu desaparecimento material e comparável ao do Rei Artur, após a batalha de Camlan, para a Ilha Encantada de Avalon ("a que ilha indescoberta aportou?"). Com o desaparecimento de D.Sebastião morre, aparentemente, o sonho de um império universal sob o seu cetro. Neste momento Fernando Pessoa, que até agora se tinha referido ao passado de Portugal, diz, num aparte, que o futuro é por vezes intuível aos homens e passa imediatamente a contar a sua visão do porvir. A Última Nau volta e trás um vulto (O Desejado) que Pessoa assemelha a D.Sebastião, que vem retomar a caminhada para o império universal- já não material, mas espiritual- que será o Quinto Império sonhado pelo Padre António Vieira.

Este poema também foi adaptado por Zé Ramalho que o musicou, quase sem nenhuma alteração. Outra curiosidade diz respeito a expressão "a ver navios" que se refere justamente ao fato de as pessoas irem ao porto de Lisboa esperando ver no horizonte o navio de D. Sebastião retornar e ali ficavam vendo as embarcações que chegavam, contudo o amado rei jamais retornou.

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