sexta-feira, 12 de julho de 2013

2ª parte da travessia

 A cirurgia ocorreu sem incidentes e não tenho do que me queixar em relação à equipe do hospital, tanto na UTI, quanto no apartamento fui muito bem atendido. Ao despertar a minha primeira reação foi procurar sentir meus membros, havia tantos tubos e aparelhos conectados que eu mais parecia um poste de favela cheio de gambiarra! Demorou um pouco pra me dar conta da quantidade de incisões, foram ao todo oito, sem contar é claro o soro e os medicamentos intravenosos. Além disso, como mais um brinde, eu estava quase sem voz. Um dos cortes foi no pescoço, bem próximo às cordas vocais, o que paralisou temporariamente uma delas e parte da epiglote, resultando numa voz bem rouca e uma redução significativa no meu fôlego ao tentar falar. 

Aos poucos a quantidade de aparelhos ligados a mim foi diminuindo restando somente os três drenos, um no flanco esquerdo e dois no abdome e após cinco dias recebi alta da UTI. Assim que fui realocado o Dr Ricardo, meu cirurgião, foi ao meu encontro ainda no apartamento provisório que ocupei no 3º andar, me lembro perfeitamente disso. Ele chegou de sopetão e com um largo sorriso me perguntou se podíamos nos livrar daqueles "cachorros loucos"  - os drenos. Concordei ingenuamente e ele começou a relatar alguns detalhes da cirurgia, que nem mesmo foi preciso realizar transfusão de sangue, como tinha transcorrido e etc, enquanto com uma pequena lâmina ia cortando os pontos que prendiam os tubos ao meu corpo. Até aí tudo bem, até que ele simplesmente puxou o primeiro tubo, o do flanco esquerdo, rápido e sem nenhum aviso prévio. Vi estrelas na hora, não xinguei ele por quê o fôlego não deu e antes que eu tivesse tempo de inspirar direito ele já havia puxado os outros dois.

O restante da recuperação da cirurgia foi bastante tranquila  e levou mais onze dias de internação, com fisioterapia, fonoaudiologia e muita paciência. A família e os amigos foram determinantes para ajudar nesse último quesito, depois da correria inicial agora já tinha um suporte maior o que é sempre essencial. Minha mãe e meu sobrinho mais velho se revezaram como meus acompanhantes no apartamento. Foi somente nessa fase que descobri um novo efeito colateral da cirurgia, ao ficar de pé e tentar andar sentia uma forte dor na perna direita, a princípio a orientação médica era de que a dor deveria desaparecer gradualmente a medida em que a exercitasse. Finalmente no dia 26/11/2011, um sábado recebi minha alta hospitalar e novamente com ajuda de um amigo, Paulo Roberto Menezes Lima, eu e meus acompanhantes rumamos para o Sobradinho.

Mas como alegria de pobre dura pouco, a dor na perna não diminuiu e para piorar comecei a sentir novamente o mesmo tipo de dor abdominal de antes. Era pouco mais de 12h da segunda-feira, dia 28/11/2011, quando pedi para voltar ao hospital, teimoso como uma mula, fomos de ônibus mesmo. É, eu estava com dor na perna direita e abdominal e fui andando até a parada, uns trezentos metros eu acho, peguei um ônibus, desci na parada da 116 Norte e fui andando até o Santa Helena. A cereja do bolo ainda estava reservada, mal descemos do ônibus e começou a chover! Chegamos totalmente encharcados à emergência e lá pelas 18h fui internado novamente. 

No dia seguinte recebi a visita do Dr. Isaac, que auxiliou o Dr. Ricardo na primeira cirurgia e fui informado de que seria necessário uma nova cirurgia para implante de um stent, pois a artéria estava comprimida próxima ao rim direito, em função da dissecção que se estendeu desde a válvula aórtica até próximo à artéria ilíaca e o sangue não estava chegando em quantidade suficiente aos membros inferiores, fígado, rim direito e baço.

Essa foi a segunda cirurgia em menos de trinta dias. Não tive tempo de passar pelos cinco estágios do Modelo de Kübler-Ross (ou como são mais popularmente conhecidos Os Cinco Estágios da Dor da Morte, ou da Perspectiva da Morte), a saber negação e isolamento, raiva, negociação e diálogo, depressão e aceitação. Neste ponto a fé foi sempre um suporte poderoso e imprescindível. Não vou me ater aqui a isto mas basta dizer que confiar em Deus é a melhor oração que há.

Dissecção de Aorta - Traduzindo


A dissecção de aorta é uma condição potencialmente fatal em que ocorre uma hemorragia para dentro e ao longo da parede da aorta, a artéria principal que transporta o sangue para fora do coração. Quando deixa o coração, a aorta move-se primeiro para cima através do peito na direção da cabeça (a aorta ascendente). Em seguida ela dobra ou arqueia, e finalmente move-se para baixo através do tórax e abdómen (aorta descendente).

Assim como todas as outras artérias, a aorta é composta por três camadas. A camada que está em contato direto com o fluxo sanguíneo é a túnica íntima, logo abaixo desta camada está a túnica média, e a camada mais externa (mais distante do fluxo sanguíneo) é conhecida como túnica adventícea. Na dissecção da aorta, o sangue penetra na íntima e entra na camada média. A alta pressão rasga os tecidos da camada média, permitindo que mais sangue entre no espaço criado. Isso pode se propagar ao longo do comprimento da aorta por uma distância variável, dissecando em direção ou para longe do coração, ou em ambas as direções. O rasgão inicial geralmente está a 100 mm da válvula aórtica.Uma dissecção aórtica é classificada como sendo de tipo A ou B, dependendo de onde ele começa e termina.

  • Tipo A começa na primeira parte (ascendente) da aorta.
  • Tipo B começa na parte descendente da aorta
Quase todas as pessoas com uma dissecção aórtica apresentam dor, geralmente repentina e muito intensa. Habitualmente, os doentes descrevem-na com uma ruptura ou rasgão no peito. Também é frequente nas costas, entre as omoplatas. A dor irradia na mesma direcção da dissecção ao longo da aorta. Quando uma ruptura ocorre, criam-se dois canais: um no qual o sangue continua a viajar e outro onde o sangue permanece imóvel, ou ainda, circule entre as camadas da parede da aorta, forçando-as. A dissecção da aorta é uma emergência médica e pode levar à morte rapidamente, mesmo com um tratamento adequado. Se a dissecção romper a aorta completamente (as três camadas da artéria), uma perda rápida e massiva de sangue irá ocorrer. As dissecções aórticas que resultam na ruptura do vaso têm uma taxa de 90% de mortalidade. À medida que a dissecção aórtica cresce, o canal com sangue que não viaja pode ficar maior e empurrar outros ramos da aorta. Uma dissecção aórtica pode envolver também o alargamento anormal ou inchaço da aorta (aneurisma).

Causas da dissecção de aorta

A causa exata é desconhecida, mas os riscos incluem aterosclerose (endurecimento das artérias) e pressão arterial elevada. Lesão traumática é uma das principais causas de dissecção, especialmente trauma no peito. Bater no volante de um carro durante um acidente é uma causa comum de trauma no peito. Outros factores de risco e condições associadas com o desenvolvimento de dissecção incluem:
  • Envelhecimento
  • Válvula aórtica bicúspide
  • Coarctação (estreitamento) da aorta
  • Danos nos tecidos conjuntivos
  • Síndrome de Ehlers-Danlos
  • Cirurgia ou procedimentos cardíacos
  • Síndrome de Marfan
  • Gravidez
  • Pseudoxantoma elástico
  • Inflamação vascular devido a condições como artrite e sífilis

A dissecção aórtica ocorre em aproximadamente 2 em cada 10.000 pessoas. Pode afectar qualquer pessoa, mas é mais frequentemente vista em homens entre os 40 e 70 anos. Do ponto de vista estatístico, 2.000 a 4.500 pessoas são acometidas e diagnosticadas anualmente na América do Norte, com uma incidência maior que o aneurisma abdominal aterosclerótico. É maior a incidência a partir da quinta década de vida e no sexo masculino.

Diagnóstico e procedimentos

O seu prestador de cuidados de saúde irá obter dados sobre a sua história familiar e ouvir o seu coração, pulmões e abdômen com um estetoscópio. Um murmúrio parecido com um sopro sobre a aorta, um sopro no coração, ou outros sons anormais podem ser ouvidos. Pode haver uma diferença na pressão sanguínea entre os braços direito e esquerdo ou entre os braços e as pernas. Pode ter pressão arterial baixa, abaulamento nas veias do pescoço ou sinais semelhantes a um ataque cardíaco. Pode haver sinais de choque, mas com pressão arterial normal.

A dissecção aórtica ou aneurisma da aorta pode ser visto através de vários métodos disponíveis, como radiografia convencional do tórax, ecografia transtorácica e transesofágica, tomografia computadorizada, angiografia contrastada e angiorressonância.É importante empregar vários métodos diagnósticos para afastar a possibilidade de falsos-negativos. Procura-se detalhar a localização, a extensão, o grau de acometimento valvar aórtico, se presente, dos vasos supraórticos, abdominais e membros inferiores.

Os médicos aconselham, geralmente, a cirurgia em dissecções que afectem os primeiros centímetros da aorta, contíguos ao coração, a menos que as complicações da dissecção impliquem um risco cirúrgico excessivo. Para as dissecções mais afastadas do coração, os médicos mantêm, geralmente, a farmacoterapia, com excepção daquelas dissecções que provocam saída de sangue da artéria e das dissecções nas pessoas com a síndroma de Marfan. Nestes casos, é necessária a cirurgia.

Durante a cirurgia, o cirurgião extrai a maior parte possível da aorta dissecada, impede que o sangue entre no canal falso e reconstrói a aorta com um enxerto sintético. Se a válvula aórtica se encontrar danificada, repara-se ou substitui-se.

Possíveis complicações
  • Ruptura da aorta causando uma rápida perda de sangue e choque
  • Hemorragia da aorta
  • Coágulos de sangue
  • Tamponamento cardíaco
  • Ataque cardíaco
  • Baixo fluxo sanguíneo através da dissecção
  • Insuficiência renal permanente
  • AVC
 Fontes:


quarta-feira, 10 de julho de 2013

1ª parte da travessia

Muito embora eu tenha abandonado este blog muito antes, meramente por falta de tempo, ultimamente o que mais tenho tido é tempo!  E isso não é necessariamente uma bênção, ou até talvez seja, como disse anteriormente é tudo uma questão de ponto de vista. Para explicar melhor tenho de voltar no tempo, mais precisamente ao dia 04/11/2011, sexta-feira. É óbvio que até esse dia muita coisa já havia acontecido na minha história, mas vou me abster de muitos detalhes que não vão acrescentar muita coisa, basta dizer que eu estava no ápice de uma situação de extremo stress emocional devido à minha separação.

Nesse dia em particular, após o almoço e uma nova briga pelo telefone eu me dirigia para algo que para mim era até um alívio àquela altura, uma reunião de equipe! Não me lembro mais o assunto, até porque a cabeça estava bem longe. Só me lembro do mal-estar, a princípio muito similar à uma cólica renal. Não aguentei chegar ao final da reunião e por volta das 16h pedi a um amigo, Waldomero Aranda Filho, que me ajudasse e me levasse a um hospital.

Como naquela época estava morando no Sobradinho, cidade satélite de Brasília, optei pelo hospital Santa Helena, no final da Asa Norte. Não conhecia e nunca havia estado ali, foi mero acaso, ou não. Ao fim da noite acabei ficando internado em observação, com um diagnóstico de infecção urinária, ao que fui liberado no dia seguinte, sábado. Novamente os amigos me socorreram, pois a alta hospitalar ocorreu quando estava recebendo a visita de uma outra amiga de trabalho, Liége Greff, que me deu uma carona pra casa.

Aqui agora vai um trecho da história que ninguém conhece, à minha família já aviso logo, não contei a ninguém por três motivos, primeiro não deu tempo, segundo, depois de tudo não queria deixar ainda mais apavorada minha mãe, e terceiro e último, acho que isso nem me pareceu importante depois dos eventos que vieram na sequência.

Pouco mais de 1h depois de chegar em casa fui acometido de uma forte dor no peito, falta de ar e desorientação. Acreditei mesmo que estava infartando e por alguns segundos nem sequer consegui reagir. Não sei quanto tempo durou, talvez uns 30s, pareceu uma eternidade. Depois de um tempo amenizou e consegui pegar o celular e chamar uma ambulância. Fui levado pro Hospital Regional do Sobradinho, o eletrocardiograma não acusou nada e depois de medicado fui novamente liberado. Alguém vai brigar comigo por só estar falando isso agora e aqui.

Mas, desgraça pouca é bobagem e no domingo, dia 06/11 de manhã cedo fiz uma caminhada e fui ao Hospital Santa Helena, pegar os resultados dos exames que havia feito lá no sábado de manhã antes da alta. Os exames também não deram em nada, mas já que estava no caminho havia um churrasco na casa de um terceiro amigo, Edvaldo Araújo! É, depois de tudo isso, nada melhor que o cheiro de carne assada para relaxar. Tudo bem, evitei a cerveja, mas não a carne e o refrigerante. No final do churrasco o Edwaldo se prontificou a me dar uma carona pra casa.

Segunda-feira de volta ao batente, e com a dorzinha voltando a incomodar, trabalhei o dia inteiro na raça mesmo, só eu sei! A noite foi um tormento e aí não teve jeito, na manhã do dia 08/11, terça-feira voltei ao hospital, desta vez acabei no Prontonorte, mas devido às circunstâncias fui encaminhado de volta ao Santa Helena. Lá a Clínica Médica resolveu então pedir uma tomografia computadorizada do tórax, exame feito voltei pra casa, afinal eram 11h da manhã e o resultado só sairia às 16h.

Outro detalhe nessa história toda, tirando as três caronas que recebi e o curto passeio na ambulância do SAMU, todos os demais trajetos foram feitos de ônibus, só quem viajou no busão da famigerada Viplan, imagina do que estou falando.

Enfim, retornei ao Santa Helena para pegar o resultado da TC, a médica (um anjo que não me recordo o nome) já havia encerrado o expediente e fui atendido por outro médico. Quando ele viu o resultado ficou mais que pálido, me mandou deitar numa maca e saiu correndo procurando outro médico, demorou um pouco até eu ter alguma noção do que estava acontecendo.Cerca de 30 minutos depois veio o primeiro angiologista me comunicar o diagnóstico de Dissecção Aórtica e me informar da necessidade de cirurgia.

Hoje não tenho mais muitos detalhes, foi muito rápido, atropelado e junto com os medicamentos e a dor, algumas lembranças são meio confusas. Uma coisa é certa, na falta de alguém com que contar o jeito foi ligar para minha (ex-)esposa. Esse crédito eu tenho de lhe dar, afinal ela veio até o hospital mesmo estando brigados e me acompanhou durante algum tempo. Paralelamente também avisei minha família, todos à época já estavam morando em Goiânia e foi uma correria só.

No início da madrugada do dia 09/11 eu já estava sendo operado para substituição da Aorta Ascendente por um tubo de Dacron pré-coagulado. A cirurgia foi realizada pelo Dr. Ricardo Barros Corso auxiliado pelo Dr. Isaac Azevedo Silva. A despeito do sobrenome longe de ser um corsário, o Dr Ricardo aceitou realizar a cirurgia mesmo não estando atuando junto ao meu convênio médico. A cirurgia e o material utilizado custaram à época mais de R$ 450 mil, mas isso é um detalhe (pelo menos para mim). Esses detalhes só vim a saber bem mais tarde, neste ponto tive outra ajuda importante, Marco Antônio de Souza Costa, à época Gerente Executivo da Cassi.

Não vi túneis ou luzes, não ouvi vozes, não me vi fora do corpo e não me encontrei com nenhum parente falecido. Nada disso que as pessoas costumam relatar em situações como essas. Apaguei quando aplicaram a anestesia assim que entrei na sala e só acordei na UTI no dia seguinte (eu acho!?).

Retornando...

Ainda é com um pouco de relutância que retorno a esse blog, os motivos pelos quais o criei já não existem, muito embora o seu objeto de referência ainda seja um dos meus temas favoritos. Em princípio achei que aqui seria um bom lugar para iniciar uma série de relatos que penso, talvez, possam ser úteis de alguma forma, a mim primeiramente, como válvula de escape, ou a um possível leitor que venha a passar por situações semelhantes, o que de forma alguma desejo.

Se você prestar atenção verá que minha última postagem foi em outubro de 2010, já se vão quase três anos e muita coisa aconteceu, comigo e com o mundo, mas inicialmente vou deixar a história do mundo de lado. Tão prolongada ausência teve vários motivos e o primeiro deles foi uma excessiva dedicação à família e a compromissos profissionais e acadêmicos. O resultado destes esforços atende pelo singelo nome de Dissecção da Aorta tipo A. Traduzindo é um rasgão na parede da aorta (a maior artéria do corpo). Este rasgo faz com que o sangue circule entre as camadas da parede da aorta, forçando as camadas. As dissecções aórticas que resultam na ruptura do vaso têm uma taxa de 90% de mortalidade se uma intervenção médica não é realizada a tempo. Bem, como podem imaginar estou nos 10% restantes visto que estou aqui digitando.

Nos próximos posts irei contar como se deu essa ruptura e aonde essa reviravolta me levou, não sei se vou conseguir terminar essa sequência e não me refiro à minha condição médica, mas apenas à inexatidão do futuro. Olhar para trás, contar e analisar o acontecido é uma coisa, olhar pra frente é complicado afinal o por vir é algo que depende de tantas variáveis incontroláveis que o transformam numa miríade de possibilidades infinitas. Ainda assim é curioso como algumas coisas assumem nova perspectiva a medida que nos distanciamos, mesmo o passado aparentemente imutável ganha novos tons conforme o observador se posiciona ou conforme suas crenças e valores sejam diferentes. A minha própria história é algo que vi sendo alterada e adulterada e não apenas por mim, mas também pelas outras pessoas que com ela interagiram direta e indiretamente.

Aos meus amigos que eventualmente lerem esses relatos peço que, se possível, acrescentem a eles suas impressões e memórias correlatas a fim de que eu também possa ter uma perspectiva diferente, pois acredito que a verdade, embora seja uma só, se apresente como um diamante lapidado e multifacetado. A cada ângulo pelo qual é observado vemos um brilho e um reflexo diferente do outro.