quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Destino

O que determina a sorte (ou a falta dela) na vida das pessoas? O que é, exatamente, o destino? A complexidade do assunto é grande, pois envolve religião e espiritualidade, um pouco de Teoria do Caos, Física quântica, cosmologia, Teoria dos Jogos, etc.

Como já especulavam cientistas, como David Bohm e Carl Pribram, vivemos num mundo holístico, onde tudo se interelaciona como uma grande rede. O nosso cérebro é holístico (essa palavra é grega, de hólos = todo) e, de fato, quanticamente falando, a fronteira que separa um corpo do ambiente que o cerca é extremamente tênue. Os elétrons dos átomos da parte mais externa de minha pele se intercambiam com os elétrons dos átomos de nitrogênio e oxigênio do ar ao meu redor. Por isso o chamado 'efeito borboleta', ao afirmar que o bater de asas de uma borboleta sobre o Pacífico pode provocar uma tempestade no Atlântico. Entre as inúmeras alegorias do filósofo grego Platão (428-347 a.C.), há um curioso relato chamado 'o conto de Er, o Panfílio'. Está no diálogo República e explana a história de Er, um cidadão da Panfília (hoje, na Turquia) que teve uma EQM (experiência de quase-morte). Ele retornou à vida quando já era levado à pira incineratória (aliás essa história parece muito com outra que conheço, de autoria de Plutarco de Queronéia; a quem interessar, possuo o relato em grego koinê). Ao acordar, Er contou o que viu do outro lado. O mais interessante do relato é o que acontecia com as almas que precisavam retornar à vida.

Antes de prosseguir, para maior clareza no relato, gostaria de falar um pouco sobre a geografia do Érebo, tal como era aceita pelos gregos. O Érebo era o local dos mortos; um conceito um pouco diferente do que temos atualmente, entre as religiões cristãs, pois era um território físico, todo debaixo do solo. Tenho razões para crer que essa idéia seja oriunda do tema Atlântida, pois a palavra Érebo, vem de uma antiquíssima raiz pré-indoeuropéia, que significa 'o que fica no extremo ocidente' (inclusive é daí que provém a palavra Europa). Ora, para os europeus, o que ficava no extremo ocidente era o Atlântico e sua mítica ilha, onde vicejava grandiosa civilização, e que, ao afundar, veio a ser sinônimo de 'morada dos mortos'. O passar do tempo levou ao esquecimento das verdadeiras origens e à transposição desse território para o subsolo grego. O Érebo era uma imensa planície, dividida em 5 setores, separados por rios. O rio Aqueronte era o primeiro avistado pelas almas. Era nele que navegava o barqueiro Caronte, para quem deveria ser pago o preço de 1 óbolo, para que ele transportasse a alma até o outro lado do rio. Por isso, os gregos tinham o costume de colocar um óbolo sob a língua do recém-falecido, para garantir sua travessia. O Aqueronte possuía um afluente, chamado Cocito, formado pelas lágrimas das almas que haviam esquecido o óbolo e ficavam condenadas a permanecer o resto da eternidade do lado de cá.

As almas que atravessavam o rio, se deparavam com o local do julgamento, onde residiam os juízes Minos, Radamanto e Sarpedão (ou Éaco, por outras versões); mais ao fundo, ficava o palácio de Hades (o Plutão dos romanos), o deus do submundo, onde morava com sua esposa Perséfone, palácio vigiado pelo cão de três cabeças, Cérbero. O julgamento determinava o destino da alma; a depender do peso de seus pecados, ela era encaminhada para um de três locais possíveis: o Tártaro, local de suplício para os maus; os Campos Asfódelos, onde as almas não tão más se purificavam; e os Campos Elísios, para onde iam as boas almas, os heróis e semi-deuses. Essas regiões eram separadas entre si por outros dois rios: o Estige e o Flegetonte. Há indícios de que tais regiões tenham originado os conceitos católicos de Céu, Purgatório e Inferno. Lembremos que entre os primeiros cristãos, uma proeminente ala era a dos gnósticos, cuja teologia era de origem neo-platônica, como, por exemplo, Orígenes.

Feitos esses esclarecimentos, retornemos ao relato de Er. Foi-lhe concedida a permissão para observar o que acontecia com as almas nessa imensa região. Platão, nesse relato, introduziu uma interessante variação: para os gregos, o Érebo era morada eterna. Para Platão, era apenas uma temporada, antes do retorno ao mundo material. Por isso, ele menciona a existência de um quinto rio, chamado Letes, o rio do esquecimento, diante de outra planície, onde residiam o deus Destino e suas assistentes, as Moiras (Parcas dos romanos). Destino espalhava no chão uma imensa quantidade de fichas, cada uma correspondente a um modo de vida; assim, havia a ficha 'vida de pescador', outra 'vida como rei', 'vida de guerreiro', 'vida como um cego', etc., etc. Às almas era concedido o direito de escolher qualquer ficha que quisessem. A ficha escolhida era pendurada no pescoço e, a partir daí, ela não poderia mais trocar de ficha. Por isso a escolha tinha de ser cuidadosa, pois, uma vez no pescoço, a alma era imediatamente puxada pela primeira Moira, Cloto (a que dava início ao fio da vida); a segunda, Láquesis, era a que direcionava a trama do fio, de acordo com a ficha que a alma escolhera. E a última, Átropos, era a que cortava o fio, determinando a morte da pessoa. Logo que Cloto iniciava a tessitura, a alma mergulhava no rio Letes e, ao sair do outro lado, não lembrava mais de nenhuma de suas vidas anteriores. Entrava em novo útero e iniciava sua nova vida.

O retorno à uma nova vida chama-se palingenesia (do grego 'palin' = novamente + 'genesis' = nascimento) e era conceito aceito por muitos povos antigos, especialmente os indianos e egípcios. Entre os egípcios, há o impressionante relato contido no chamado 'papiro de Anana', de cerca de 1.200 a.C. Há indícios, também, de que o batismo em água seria um rito inspirado na idéia do mergulho no rio Letes. Entre os judeus, especialmente os de origem essênia, esse rito era, aliás, feito literalmente em um rio.

Para os muçulmanos, destino traduz-se pelo conceito 'maktub', o determinismo divino. É um conceito radical, segundo o qual nossos destinos dependem única e exclusivamente da vontade de Alá. Os fatos da vida muitas vezes levam a pensar dessa forma: alguém morre em um acidente aéreo; porque ele tinha de morrer daquela forma? Porque, outro indivíduo, que estaria no vôo, atrasa-se por qualquer razão, e escapa do acidente? Se sou assaltado em determinado local, sei que poderia não ter acontecido, se tivesse passado por ali apenas 1 minuto antes, ou 1 minuto depois, ou tivesse escolhido outro trajeto. Porque escolhi aquele trajeto, naquele exato instante? Para os muçulmanos, Alá é quem determina tudo isso. Sou apenas uma marionete. Outras filosofias afirmam que nossas mentes é que detém esse poder. Cabe a você apenas saber utilizá-la. Para Platão, seria uma mescla das duas coisas.

Por Marcelo Valdi Régis [Adaptado]

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